as crónicas da pulga

30.12.04


pulga encontra-se em estado pimbo-impulsivo e consequente neuro-vegetatismo associado a uma tomada de consciência do primeiro

24.12.04

guerra? sim, obrigado, pai natal!

hoje a minha mãe perguntou-me se já tinha feito a carta ao pai natal. então, decidi escrever.
como uma "menina bonita", pediria a paz no mundo. pediria a água para os que têm sede; a comida para os que têm fome; a roupa para os que passam frio. desejaria acabar com o mal e desejaria que fôssemos todos felizes. a cada momento que passasse.

mas não.

cada guerra; cada conflito; cada pequena discussão desencadeia todo um processo de conhecimento.

tudo passa a ser necessário.
é necessário provocar guerras.
fazer guerras.
indignarmo-nos com guerras.
manifestar contra guerras.
conversar sobre as guerras.
pedir ao pai natal para acabar com as guerras.

e passa-me pela frente que a acção deixa de fazer sentido...

- é isto uma desculpa para se ser indiferente ao que acontece à nossa volta
OU
- revoltamo-nos contra as coisas para tornar o mundo menos monótono?

que necessidade temos nós de evoluir? se sabemos que é necessário, não parece tudo isto um teatro? não nos continuamos a preocupar com as coisas para, simplesmente, evoluir?

comentem e exponham as vossas ideias por favor. e bom natal!

22.12.04


marta

21.12.04

stand-by

quero limpar todo o pó que deixaste. destruir toda a podridão. arrancar das paredes qualquer resto de ti. empurrar-te daqui. assim, fora!

estupidificaste este lugar. à tua maneira.
onde está a luz? partida, estragada, deslocada... tiraste-me a luz! tiraste-me o trabalho, tiraste-me o espaço, tiraste-me tudo e eu deixei.

pensava que te conhecia. mas não. e após teres saído e deixado (tudo o que era suposto ser) o teu espaço desarrumado e todos os cabides que eram teus estendidos no meio do tapete da sala (eu repararia de qualquer forma... não era preciso tanto trabalho; não era preciso tanto esforço a tentares deixar um pouco de gordura em cada panela que lavavas; não era preciso fazeres para eu não gostar de ti... eu já não gostava). depois disto tudo, tenho pena de ti, que, escondendo-te num excessivo orgulho, perdes tudo o que em tão pouco tempo ganhaste. negas o que te dei, mas sem isso serias nada neste instante e não consegues pensar... será que consegues pensar nisto e esquecer o orgulho por um momento?

e depois perdes-te. e não te encontras, porque não queres. e continuas a chamar-se irresponsável, porque queres (e as razões? as razões...?).

fazemos escolhas. e a escolha que te prejudicou não foi a minha. foi a das pessoas de quem nunca duvidas. dos teus deuses. abençoados sejam... abençoado sejas tu. amén.

13.12.04

na gaveta

fui para a praia e sentei-me, longe da água, para poder observar os movimentos ao longo de toda a costa visível. uma pequena baía, com rochas dos dois lados a entrar pelo mar adentro. e o mar, imenso, calmo... iluminado pela intensa luz do meio-dia.
nem queria acreditar que, num dia de primavera como aquele, fosse eu a única pessoa na praia, mas nem sequer me dei ao trabalho de procurar uma razão para tal. apenas tentei uma abstracção total... não consegui. acho que, por muito que nos apeteça, não somos capazes de deixar de pensar, porque isso significaria pensar em nada e o nada já é alguma coisa. então, pensei no nada e quando me cansei, abri o saco e olhei para tudo o que tinha. um diário (nunca consegui arranjar-lhe outro nome, o que fazia jeito, pois só escrevia quando me dava para isso... mas já nem isso me interessava), cartas e textos de pessoas que me tinham marcado, curiosamente desaparecidas, doentes ou longe demais para poder estar com elas. também tinha levado a máquina fotográfica, aquela companhia que me permitia registar os momentos sublimes com os quais me deleito e que, posteriormente, sou incapaz de relembrar.
pintava e desenhava, mas naquele dia não levei tintas, nem pincéis, nem folhas vazias, nem caneta! tinha-me arrependido de ter acabado com as lições de piano, de modo que, ao que parece, tinha desistido das minhas próprias mãos. dava-me aflição só de olhar para elas e pensar serem impossíveis de voltar a tocar, e por isso de escrever, ou desenhar... ironicamente, tinha levado algumas pautas. músicas capazes de me fazer mergulhar no meu mundo e sonhar... sonhar muito. contemplei-as e soei todas as notas como se o piano fosse eu e querendo acreditar que duas mãos não conseguiriam tocar melhor que a minha voz (que importância tinham duas simples mãos, afinal?). a minha voz, porém, desafinava... levantei-me e continuei a cantar. dancei, dancei sem parar. dei voltas, muitas voltas. com os braços e a cabeça apontados para o céu, como era livre, eu! misturei-me com as luzes do pôr-do-sol e caí, de tão embriagada. voltei a levantar-me, mergulhei então os pés, cantei, rodopiei, mergulhei os joelhos, as pernas, cantei, as mãos, a barriga, cantei, os seios, os ombros, cantei, o pescoço, a boca, o nariz, os olhos, o cabelo, cantei, nadei, cantei, mergulhei mais ao fundo, cantei,nadei, nadei, às escuras, mergulhei sem parar, a sonhar,a cantar, a dançar.

acordei, pousada em plantas verdes e violeta, que se moviam lentamente com o vento...o vento? azul?! reparei então num peixinho amarelo a sair por um dos corais. corais? agarrei-me ao pescoço e tentei uma fuga ao impossível tornado possível, mas respirava mesmo... no fundo do mar! estava tudo tão puro, tão equilibrado, tão meu!
- olá! - virei-me, surpreendida. uma figura masculina olhava-me, calma, elegante. era azul, mas a julgar pela forma, humana, também. um rapaz. transmitia-me paz, paz como eu nunca sentira.
-olá... - respondi. mostrou-me uma fracção de uma fotografia. observei-a e consegui decifrar uma mão amarelada a apanhar um bocado de uma fotografia, entregue por uma mão azul. entrei em pânico por dentro, mas como as coisas começassem a parecer normais por mais estranhas que fossem, limitei-me a seguir a acção que aquela imagem me pedia. toquei-lhe no azul, suave, os meus olhos olharam os seus, imensos. um formigueiro percorreu-me dos pés à cabeça. comuniquei com ele, mas não falava, não escrevia... apenas sentia. ele, ele sentia-me também.
mostrou-me os seus textos, mostrou-me desenhos, mostrou-me fotografias tiradas por ele... por mim. mostrou-me cartas de pessoas desaparecidas, doentes ou longe demais para poderem estar com ele. mostrou-me pautas musicais e um piano. tocou. toquei. tocámos. e só então soltei as minha mãos. explicou-me que o mar exprimia o seu estado de espírito... e eu, que nunca o tinha sabido tão belo! explicou-me também que, em breve, eu teria que partir, porque alguém tinha criado cada coisa no seu lugar e, a julgar pelo nosso passado, ambos estávamos condenados a ficar sós... aceitei. entretanto, aproveitámos para passear. percorremos o fundo do mar, dançámos, cantámos, escrevemos, desenhámos, rodopiámos. e o mar, sempre calmo. reparámos, certo dia, que a vida lá fora se tornava monótona e decidimos dizer adeus.

acordei, agora na praia, com o saco a meu lado. teria sido um sonho? o mar estava agitado. no céu, as nuvens cinzentas ameaçavam molhar a areia das dunas ainda antes das ondas, que batiam com força nas rochas a limitar a pequena baía. um único pensamento me atravessou a mente... o que era realmente monótono não era a vida que todos levavam. era o meu sofrimento, a minha dor... era habitual não conseguir o que queria... era habitual separar-me de quem realmente gostava.
gritei até gastar a minha voz. quis desprender-me de mim.
num instante, corri para as ondas... e mergulhei!

marta, fevereiro 2002

9.12.04

imersão

acabei de jantar. passei o prato e os talheres por água. pousei-os e arrumei o tabuleiro.
dirigi-me à casa de banho. e puz a água quente a correr depois de ter isolado a banheira com a tampa.
liguei o aquecedor da casa de banho. saí e fechei a porta.
fui ao quarto. liguei o outro aquecedor no máximo, com o pijama por cima, para aquecer. bem.
voltei à casa de banho. apanhei na pedra de sais relaxantes que há muito nos estava destinada e atirei-a à banheira. era só para mim. azul, dissolveu-se na água, que estranhamente já estava azul. despi o casaco de malha e coloquei-o por cima da tampa da sanita. despi a saia, preta, e fiz o mesmo. despi os collants. observei-me ao espelho. dei voltas. virei-me para um lado e para o outro. era eu.
pensava. tomar banho depois de jantar. o aquecedor. a história do inverno presente. o diário, aberto em cima da cama ali no quarto com algumas definições sobre cores. morte. fim?
despi a blusa. observei-me ao espelho. era eu.
controlei a temperatura da água. observei-me. despi-me. mergulhei.
há muito não me sentia tão bem.
estou aqui.

o cinzento que cobre o amarelo

mera curiosidade:

"intenso, violento, agudo até à estridência, o amarelo é a mais quente, a mais expansiva, a mais ardente das cores, difícil de desvanecer, e que estravasa sempre os limites em que se pretende encerrá-la."

"é a cor da cinza e do nevoeiro. os hebreus cobriam-se de cinza para exprimir uma dor intensa. o grisáceo de certos estados de tempo brumosos, dá uma impressão de tristeza, de melancolia, de aborrecimento."

dicionário dos símbolos

naqueles momentos

não tenho lugar em sítio algum de maneira alguma.
aqui, apodreço.
ali, n chego.
aí...
em pé, canso-me de tanta solidão.
sentar-me... não posso, pelo menos se for para descansar.
deitar-me é uma tentação, mas jazer nas desilusões não é coisa que prometa.

era cheia por fora. vazia por dentro. (não interessa do quê).
agora... agora.
apetece-me explodir. e já disse isto tantas vezes!... agarrar em todas as minhas veias e parti-las.
uma
a
uma.
estão frias. não, estão quentes e o ar congela-as. congelei.

7.12.04

no metro

havia mais gente que o normal.
entrei. apertei-me e apertaram-me. trincaram-me as costelas entre algumas pessoas e a minha caixa modelo E dos correios. quase pude ouvir a maquete a sufocar, se sufocar se ouvisse. diria que o meu corpo fazia um ângulo de 60º para trás com o chão do comboio.
parei. e nem sequer dava para não estar parada.
e, ali, imobilizada, conheci a joana ou a filipa ou a mafalda. não sei.
perguntou-me, do nada, como se há muito me conhecesse e de mim não conhecesse nada. o curso. o ano. o resto, que era a dança e o cinema. deu-me a sua opinião sobre a minha futura professora. perguntou-me o que se estava a passar no parlamento. se eu sabia porquê. não sabia. estava pasmada porque ela era de cá e parecia que não conhecia nada. ía entregar uns papéis e não sabia se o tempo já se tinha esgotado. adeus, joana. filipa. mafalda.

eu também não sabia se o tempo já se tinha esgotado.