as crónicas da pulga

1.4.05

desaparição

adeus, avó. avô.
adeus, filha.
e acenamos. eu para eles. eles para mim.
antes, o beijinho. e o abraço. e uma notinha para o taxi, porque a essa hora, filha, não podes ir para casa nos transportes e assim vão-te levar logo à porta.
adeus, avó.
adeus, filha.
e o que envolve aquele adeus! um sorriso, um cresceste tanto!, ainda ontem te vi nascer - dizias-me: avó, pampa!, quando era para te tapar - e daquela vez que fingiste que dormias e todos apanhámos um susto, abanávamos-te e nada! tão pequenina, tão redondinha com os cabelos cortadinhos assim, assim. cantávamos a música dos abraços e a conversa das bonecas e fazias a papinha para o coelhinho, dizias tu. e as brincadeiras que tu e o teu primo inventavam? ai, filha, como os anos passam.
e o que envolve este adeus! um vou-me embora, avó. ainda te vejo nos ensaios e nas reuniões, a ler todos aqueles papeis escritos à máquina. vejo-te em casa, a fazer o almoço. vejo-te com outra cor de cabelo, com menos umas cem ou cinquenta rugas na cara e nas mãos. ensinares-me a atar os sapatos, falares com muitos 'ques'. adeus, avó. podes desaparecer-me e eu não te ver mais. voltar e tu simplesmente já não estares. ali. para mim. para ouvir-te falar e nunca mais te calares. assim, puf! podes desaparecer.
e nunca mais seres.