as crónicas da pulga

27.3.05

vou para casa.
caminho.
assustas-me.ai.
caminho.
assustaste-me.ai.tum-tum.pára.
caminho.

paro.(não pares).
vais para casa.(vou).
vou.(não vás).
adeus.(deus.deu.eu.e...)

quantas vezes toquei a relva fresca? (caminha).
caminho.
quantas cores já vi? quantos cheiros já vi?
(vi?!).vi. quantas vezes já gritei? (muitas).pois foi.(gritas sempre).hm-hm.
(caminha).quantas vezes(caminha!).
ok, caminho.

caminho.
(espera!)o quê?nada.
caminho.
(grita!)o quê? nada.nado? nada!nada.(isso...)
caminho?caminha.não.o quê?a caixa!(parva).a caixa!(estúpida).qual caixa?a minha caixa.para quê?para me esconder.de quê?e ti.mas a caixa é minha.(é?) é? é. então não percebo. (para que queres uma colecção de martas?) também não é preciso perceber. (estou confuso). e tu, percebes? sim. (não). então? caminha. então? caminha!
ok, caminho. (parei). adeus. (deus.deu.eu.e...). e...e.(?)

há coisas que não se dizem.
há coisas que não se dizem.

26.3.05

i hate reading english words from portuguese authors on portuguese blogs

and i want this very clear

11.3.05

pum

confusão. passos. carro. iiiiiiiii!!... chia o metro. um i acentuadamente agudo, que se confunde com o silêncio. as pessoas correm - sim, as pessoas vão perder uma coisa muito importante se não apanharem a tempo aquele transporte. as pessoas têm muita coisa a perder... as pessoas correm, matam-se, pontapeiam-se, esfolam-se. as pessoas ganham. sempre. as pessoas. todas as pessoas.
pah! um acidente. vrrrruummm. toda a gente conhece este vrrumm - é de uma pessoa que correu mais depressa que as outras. a rua. o metro. o movimento fascina-me mas entristece. diluo-me nesta confusão. vezes sem conta. contente. dente. elevador. está ali, um sorriso. olha, olha, uma flor! e vejo veludo nos espinhos e nos espinhos uma dor. picam-me. picam picam-me. picam-mais. picamais. aaaaaaah! como se pára? como se esquece? como se é feliz? como se dorme, se sorri ou se ama? como se diz? brota a raíz de uma sementinha no algodão de um copo de plástico. como se diz? um dia a criança espreita o copinho e vê que está vazio. como é que ela diz? não faz mal, pomos-lhe outra sementinha.

5.3.05

não quero que chores hoje sem que te veja

aqueço as mãos num copo com chá queimante. 1 centímetro já se evaporou e eu nem dei por nada. foi o centímetro de baixo, por não aguentar o peso dos outros.
é bom que os centímetros não se apressem muito, porque precisam de me deixar ver o reflexo do meu relógio no líquido queimoso, pelo menos até acabar de beber a infusão. porque preciso de saber as horas a que o meu copo fica vazio e de outra forma não o conseguiria, porque o meu relógio envergonha-se ao ver directamente as meninas dos meus olhos e esconde-se.
foi o carteiro.
o entrega-cartas tem um inquérito que recebeu pelo correio. veio com o nome dele. achou estranho: ele não é nenhum abre-cartas e esta função nem consta no seu boletim de voluntariado! a muito custo e não encontrando nenhum abridor de cartas com luz verde a correr pelas ruas mais próximas, rasgou a capa dura e opaca da carta deveras tímida que à frente lhe apareceu. precisa de a devolver também pelo correio (e ele também não é nenhum enviador de correspondência! mas não está muito preocupado, pois gente dessa encontra-se a cada esquina, no tête-a-tête com um colador de selos). e o inquérito precisa de estar completo, pois a ministra do que se precisa de fazer assim o decidiu. e para estar completo, precisa da hora do fim deste chá.

o sino da igreja tocou seis vezes, precisamente no momento em que desliquidei o copo de vez. só é pena não ter conseguido ver as horas.
as minhas mãos estão frias e o carteiro vai matar-me.

o eterno brilho da panela suja

e tu vais olhar para mim como se eu fosse uma desconhecida.
e eu vou suplicar-te por uma última memória tua.
e fazemos do que foi viver, o nosso teatro. e da porra desta encenação a nossa vida!

4.3.05

aero om - a dissipação do erro

não comer ansiosamente meia tablete de chocolate, mas deslocar cuidadosamente um único quadradinho, encostá-lo à lingua. deixá-lo derreter a seu compasso.
não ouvir até à náusea a melhor música jamais composta. não a repetir até ao enjoo, até sentir os seus pedaços tocarem o pêndulo da garganta, mas esperar. apreciar então cada intensidade, som ou silêncio. emudecer a mente. pensar em nada mais.
não perguntar e continuamente insistir pela resposta, mas aguentar. ser-se subtil. a arte da misteriosa dissipação do erro. eliminar, a cada palavra, a cada gesto, a mais pequena possibilidade de dúvida. criar, em cada vocábulo, em cada movimento, um infinito encadeamento de hipóteses.

"se eu não morresse nunca! e eternamente
buscasse e conseguisse a perfeição das coisas!"

não sou natural. sou o que de mais falso, anticultural e artificial existe. o que de mais egoísta, egocêntrico e ego-tudo pode existir.

pensar mata-me a cada momento que penso.
(e juro que isto faz sentido. já pensei).