as crónicas da pulga

16.5.05

um

perdemos muito tempo.
em que nem era preciso gritares e eu te ouvia e não te podia responder. em que me olhavas e eu te olhava e pensavas e eu pensava que sim e desviava o olhar. em que te estendia tanto os braços que de tão perto te atravessavam e esperavam atrás de ti sem te tocar. em que estávamos assim tão perto e desejávamos estar mais. em que te foste embora por eu estar emudecida por coisas que há muito não existiam. em que te vi partir e deixei. e depois chorei.
caminhaste sem rumo.
eu, fiquei. sem rumo.

mas o que não existia não era para existir.
eu já o sabia - despertei.
então, senti que o tempo tinha fugido. e se fugir era o que o tempo fazia, então eu fugi também. fugas fugiram de fugas. eu fugi de fugas. eu fugi do tempo. fugi de tanta coisa e tu ali não sabia se também fugias ou se te petrificavas com tanta fuga e me ouvias gritar e gritavas às vezes e eu às vezes sentia-te tão perto mas era uma dor porque fugias e eu tinha a certeza que fugias e eu fugia agora de ti porque tu já nem eras......................


...mas eras.
sempre o foste.
e doía tanto saber que o tempo tivera sido em tempos tão intenso. tão cruel.
nada a fazer.
parar.
inspirar.
expirar.
tudo a postos?
caminhar...não. marchar. por una vida mejor para nuestro pueblo. por uma vida melhor. para nós.
uma vez disseste-me que eu era muito racional nestes assuntos por achar que perfumes iguais não significavam flores iguais. nunca fui tão racional como agora. não mais tu, decidi.
e estava tudo tão certo...

eis senão quando ela apareceu. a nossa fuga.
contra gritos mudos, certezas de finito e olhares que nunca o foram; contra o tempo... puxáste-me. desarmaste-me. fizeste-me cair a teus pés. então, levantaste-me. elevámo-nos mutuamente e, como quem tanta sede tem, saciámo-nos com o que nunca tiveramos provado e, enfim embebidos um no outro, cheirei o teu perfume e pensei nas flores iguais.
mas depois cheirei-te profundamente e sorri ao saber que estava errada: não existem sequer perfumes iguais.

8.5.05

compilação

nunca gostei de compilações.
mas hoje foi um domingo.
estou cansada de me tentar convencer que não és o que todos os dias me surpreende em ti.
hoje foi um domingo.
em todos os sentidos que lhe consigo dar.
nulo.


"A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que falta nelas eternamente - ;
Tudo isso faz um cansaço.

Não, não é cansaço.
É um domingo às avessas
É eu estar existindo
Com tudo o que nele [no mundo] se desdobra.
Qualquer coisa como um grito
Por dar.
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer.

Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto."

Álvaro de Campos

6.5.05

rosebud, os não-lugares e melanie pröschle

rosebud mudara de cidade - ou teria sido melanie pröschle?
melanie pröschle mudara de cidade. uma lufada de ar fresco iria certamente fazer-lhe bem. no entanto, rosebud transformou-se num não-lugar. farta de controlar a sua inocência perante rosebud, melanie pröschle pensou em quais seriam afinal as suas últimas palavras se morresse naquele instante.